Por Urias Rocha — jornalista independente, membro da DESG (Escola Superior de Guerra)
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. Imagens FOLHA DE SÃO PAULO
O Brasil entra em 2026 com uma crise profunda na sua direita — uma crise que, para muitos analistas, revela-se não apenas política, mas existencial. A recente escolha de Flávio Bolsonaro como pré-candidato à presidência, por determinação explícita de Jair Bolsonaro, simboliza essa contradição histórica: uma tentativa de reerguer a direita pela continuação de um legado que já se desintegrou internamente.
A conjuntura política e econômica do país
- Dados de 2025 mostram uma crescente percepção popular de que a corrupção voltou a aumentar sob o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Pesquisa do instituto PoderData aponta que 46 % dos brasileiros acreditam que a corrupção aumentou desde o início do terceiro mandato.
- Ao mesmo tempo, a desconfiança generalizada nas instituições — fruto de escândalos passados, tentações golpistas e uma crise ética prolongada — torna o debate sobre “moralidade pública” altamente sensível. Alguns discursos da direita tentam atribuir unilateralmente essa crise à “velha política” ou à esquerda, mas os fatos recentes mostram um quadro muito mais complexo e enraizado nos núcleos conservadores.
- A economia, marcada por incertezas, inflação persistente e insatisfação geral, alimenta o descontentamento popular e dá espaço a narrativas de ruptura radical — terreno fértil para lideranças populistas, mas também para crises profundas de legitimidade.
Dentro desse contexto, a ascensão de Flávio Bolsonaro representa uma aposta da extrema-direita: retomar espaço político ao custo de consolidar, definitivamente, o que muitos consideram um “colapso moral e institucional” da direita.
A pré-candidatura de Flávio Bolsonaro e o colapso da “direita unida”
Na última sexta-feira, Flávio anunciou sua postulação à Presidência em 2026. Ele declarou que está cumprindo “a missão” confiada por seu pai — uma missão que, na prática, é a herança de um projeto bolsonarista marcado por polêmicas.
No entanto, a reação popular e dentro da própria base direita não foi unanime: segundo levantamento da Datafolha de dezembro de 2025, apenas 8 % dos entrevistados disseram querer Flávio como candidato; 22 % preferiram a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e 20 % citaram o governador Tarcísio de Freitas.
Isso revela, de saída, uma direita fragmentada — dividida entre o bolsonarismo “puro e duro”, o conservador-religioso representado por Michelle, e uma ala mais pragmática e moderada — que vê em Tarcísio um nome com menor carga de radicalismo.
Além disso, a nomeação de Flávio não foi suficiente para apagar atritos recentes dentro da família e do partido: Michelle, embora tenha anunciado apoio público, passa por divergências com aliados, especialmente no plano estadual — o que expõe fissuras internas que vão além do jogo eleitoral.
A crise no partido PL e o revisionismo seletivo
O PL — que durante anos acolheu o bolsonarismo como sua principal força política — vive hoje uma crise de legitimidade severa. Não se trata apenas da reputação manchada pelo histórico de escândalos; trata-se de uma falência moral do partido como agregador de valores democráticos.
Levantamentos recentes mostram que dezenas de parlamentares do PL enfrentam processos judiciais, acusações graves e inquéritos por corrupção, abuso de poder e até por envolvimento com tentativas de golpe institucional.
Esse dado contesta diretamente o discurso politicamente conveniente da direita radical que busca imputar à esquerda — especialmente a nomes como Lula — uma “corrupção sistêmica exclusiva”. A verdade é que a estrutura de poder, dentro da extrema-direita, sempre teve e tem profundas raízes corruptas.
O revisionismo seletivo — culpar a “velha política” ou forças de esquerda por tudo de errado no Brasil — tenta despolitizar e descontextualizar esse colapso, transformando o que é estrutural num bode expiatório conveniente.
Do ponto de vista filosófico: o desastre moral da extrema-direita
Se olharmos pela lente da filosofia política, a situação se revela como uma tragédia da própria direita. Há aqui uma ruptura entre retórica e realidade — uma dissonância entre o ideal de “moral, família e ordem” que muitos disseram defender e a prática de poder baseada em privilégios, violência simbólica, corrupção e manipulação institucional.
Essa contradição lembra alertas clássicos de pensadores que viam na degeneração moral do poder uma ameaça à própria democracia. A crise atual não é apenas institucional: é ética, existencial, cultural. A direita que se apresentou como guardiã dos valores conservadores — da “ordem” — expôs fragilidades tão grandes que, ao invés de reafirmar esses valores, os converteu em símbolos vazios, corroídos por interesses escusos.
Em outras palavras: a direita brasileira — ou melhor, a “direita radical” — traiu sua própria promessa de regeneração moral e virou fonte de instabilidade.
Consequências práticas: fortalecimento de Lula e da esquerda moderada
Ao desacreditarem o PL e a extrema-direita, os escândalos, as disputas internas, e a evidente crise moral abrem caminho para uma reação política em outra direção. Com a direita dividida, desacreditada e fragilizada, o eleitorado — mesmo aquele que busca mudança — tende a buscar alternativas mais estáveis, institucionais ou pragmáticas.
Nesse vácuo, nomes de centro-esquerda ou de esquerda institucional — inclusive o próprio presidente Lula — ganham espaço como porto seguro da estabilidade democrática, da previsibilidade econômica e da promessa (ainda que discutível) de renovação ética.
Assim, paradoxalmente, a falência da direita fortalece a legenda adversária. Para quem aposta em estabilidade, em institucionalidade, e numa reconstrução de governança, o colapso moral e político da direita serve como alerta — e oportunidade.
A tragédia da direita: quando o discurso se converte em ruína
Para mim, jornalista e analista, ver a direita se desagregar dessa forma — não por imposição externa, mas por sua própria corrupção interna, por disputas familiares, por escolhas de poder — representa uma tragédia.
Não é apenas uma derrota eleitoral: é uma falência ideológica. A direita que se dizia subversiva, anti-"velha política", rompeu com seus próprios preceitos. Transformou promessas de moralidade em símbolos vazios. Abriu mão de ideias de integridade e converteu-se em um repositório de ambições pessoais, corrupção institucional e disputas de ego.
E nesse processo ela destruiu a si mesma — não a esquerda, não o establishment tradicional, mas sua própria credibilidade e consistência.
Conclusão
A escolha de Flávio Bolsonaro como pré-candidato do bolsonarismo para 2026 representa mais do que uma disputa eleitoral: ela revela um esgarçamento profundo da direita brasileira — moral, política, institucional. As crises internas no partido, os escândalos, as disputas familiares e a herança perversa de corrupção transformaram a promessa de renovação em ruína.
Do ponto de vista filosófico, há um paradoxo trágico: uma direita que prometia “moral e ordem” desmorona por sua própria imoralidade; que se dizia antissistema, revela-se presa aos piores vícios do sistema; que clamava por ética, revela-se um aparato de poder corrompido.
No fim, a ruína da direita — e especialmente da extrema-direita — não fortalece a democracia por si só. Mas cria as condições para um repensar profundo: de partido, de ideologia, de projeto, de país. Se há esperança em 2026 — e há — ela não estará em fórmulas antigas de domínio — nem nas ruínas da direita nem nas ruas. Estará na reconstrução real de um pacto ético-político, na reconciliação da palavra e da prática, da moral e da instituição, da justiça e da cidadania.
Urias Rocha BR - Jornalista independente e membro da ADESG
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