O Assalto ao Petróleo Venezuelano: A Velha Cartografia do Imperialismo em Nova Embalagem
Por Urias Rocha – Jornalista Independente, membro da Escola Superior de Guerra
A história do hemisfério ocidental está marcada por uma constante: a disputa pelas riquezas naturais da América Latina. Hoje, no epicentro dessa geopolítica, encontra-se a Venezuela — não apenas como nação soberana, mas como símbolo do embate entre projetos civilizatórios antagônicos: de um lado, o imperialismo de natureza ocupacionista; do outro, a resistência de povos que insistem em existir com dignidade em meio a tempestades históricas.
O Petróleo como Obsessão Imperial
Para os Estados Unidos, a Venezuela representa mais que um vizinho incômodo. Representa petróleo — a matéria-prima que, desde o século XX, serve como combustível literal e simbólico da hegemonia norte-americana.
A busca norte-americana por influência sobre o território energético venezuelano nunca foi segredo. Agora, porém, assume contornos mais explícitos, apoiada pela gigante ExxonMobil, empresa que já atua agressivamente na região disputada do Esequibo.
O que se apresenta ao mundo não é uma preocupação humanitária, democrática ou jurídica — é, como sempre foi, a tentativa de assegurar reservas estratégicas de petróleo, nada além disso.
O Território e o Fator Humano: Barreiras Naturais ao Assalto
Mesmo sob a ótica fria da geoestratégia, um “assalto” ao petróleo venezuelano não seria simples.
A Venezuela possui:
- Terreno complexo, com selvas densas, serras, planaltos e fronteiras pouco acessíveis.
- Base social fortemente politizada, com organizações populares e grupos armados que compõem o que muitos analistas chamam de “rede de defesa territorial”.
- Um contingente militar que ronda a casa das centenas de milhares, somando Forças Armadas e Milícias Bolivarianas, que operam doutrinadas pela lógica de guerra assimétrica — a mesma que transformou pequenos países em adversários difíceis para potências muito maiores.
Mesmo análises conservadoras reconhecem que um eventual conflito prolongado na Venezuela jamais seria simples ou rápido.
A resistência — seja militar, comunitária ou territorial — torna qualquer tentativa de ocupação uma operação de altíssimo custo humano, econômico e diplomático.
O Tabuleiro Mundial e o Eixo Anti-Imperialista
A geopolítica do século XXI não é mais unipolar.
Se outrora os Estados Unidos agiam com absoluta liberdade sobre o destino dos povos latino-americanos, hoje encontram uma muralha diplomática composta por:
- Rússia, com presença militar global e interesse direto em evitar expansão estadunidense.
- China, que depende do petróleo venezuelano para sua segurança energética e investe pesadamente na região.
- Turquia, que desde a década de 2010 tem se posicionado contra intervenções unilaterais promovidas pelo Ocidente.
- Nações do Sul Global, que rejeitam qualquer política que lembre a velha cartilha colonial.
Essa rede internacional de alianças transforma a Venezuela em peça central de um tabuleiro em que a supremacia estadunidense já não é absoluta.
O Caso Esequibo: O Pretexto e o Pretexto do Pretexto
A presença da ExxonMobil no território do Esequibo – área historicamente contestada entre Venezuela e Guiana – cria um ambiente ideal para tensões artificiais.
Não se trata de defender o povo guianense, de estabelecer justiça histórica, ou de proteger direitos indígenas.
Trata-se, essencialmente, de petróleo.
A ExxonMobil atua como preposto econômico de uma política externa que, há mais de um século, confunde interesses corporativos com soberania nacional.
Em muitos momentos da história do continente, a empresa veio primeiro — e o fuzil depois.
O Imperialismo como Estrutura Permanente
A postura dos Estados Unidos repete, com impressionante fidelidade, padrões que marcaram:
- o Iraque,
- a Líbia,
- o Irã,
- o Vietnã,
- e tantas outras regiões que ousaram deter recursos estratégicos fora da órbita de Washington.
É a velha lógica do “Destino Manifesto”, atualizada pela geopolítica energética.
O discurso é sempre o mesmo:
primeiro a demonização, depois a desestabilização, e por fim a tentativa de ocupação direta ou indireta.
Conclusão: A Tragédia da Repetição
O que se desenha na Venezuela é mais um capítulo do esgotado, porém persistente, projeto imperial estadunidense. Um projeto que:
- não oferece desenvolvimento,
- não promove estabilidade,
- não respeita soberanias,
- não constrói democracia.
Apenas promove espoliação.
Mas o século XXI trouxe um elemento novo: os povos já não aceitam passivamente o rótulo de “quintal”.
A Venezuela, com todas as suas contradições internas, permanece como símbolo dessa resistência histórica — e é justamente isso que torna qualquer tentativa de saqueio um empreendimento arriscado, caro e, sobretudo, moralmente falido.
O imperialismo se renova, mas os povos também. E a história costuma favorecer aqueles que defendem sua terra — não aqueles que tentam assaltá-la.
Urias Rocha
Jornalista Independente
Membro da Escola Superior de Guerra
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