segunda-feira, 5 de novembro de 2018

MÍDIA CORPORATIVA E BOLSONARO, O CRIADOR E A CRIATURA.



O inacreditável aconteceu e o país elegeu um presidente de extrema-direita, defensor da ditadura militar de 1964 e de seu regime de torturas. Se não se dissipar antes de primeiro de janeiro, o twitter bolsonariano deve atingir o continente trazendo para o país a intensidade de um dos regimes que se anuncia dos mais infames.
Se essa realidade insiste em surpreender, é óbvio que um evento como esse não é obra do acaso. Colaboraram um conjunto de ações e conjunturas. Há, porém, uma singularidade, um ponto de partida institucional frequentemente omitido em sua relevância. A vitória da extrema-direita deve-se, acima de qualquer outra influência, a um trabalho sistemático, cotidiano, um rebento do ventre da mídia corporativa brasileira.
Foi ela a iniciadora, a solitária da primeira hora, a única grande instituição republicana a desde o começo trabalhar com convicção e disciplina, a despeito dos imensos riscos e adversidades, na criação e promoção direta ou indireta dos valores, fatos, factoides e disposições mentais agora vitoriosos com Bolsonaro.
Foi ela que, paulatina e pacientemente, com avanços desiguais e recuos estratégicos, ocupou os espaços mentais e sociais, confiou na intuição de seu ofício e desafiou a descrença. Seu desprendimento abalou a inércia dos outros atores, quebrando as resistências dos que duvidavam, encorajando um agente, reanimando outro.
O empacotamento publicitário de instâncias investigativas e punitivas em “mensalão” e “Lava Jato”, dentre inúmeras outras “operações”, favoreceu a montante da campanha geral. Nesse contexto, Bolsonaro surge, portanto, não como um franco atirador mas como o que é: a resultante lógica do trabalho subjetivo realizado pela mídia corporativa brasileira.
A opção por uma candidatura de extrema-direita, a repulsa ao sistema de direitos republicanos e o derrame de mensagens falsas (fake news) financiadas ilegalmente via caixa dois no Whatsapp não são o produto de falta da informação correta mediada pelos veículos corporativos que adviria do domínio das redes sociais e ferramentas correlatas. São, inversamente, a consequência e o resultado lógico de anos de difusão sistemática de conteúdo tóxico para semear o descrédito num partido, depois nos partidos e na própria democracia.
Na verdade, as redes sociais e os grupos de Whatsapp se alimentam e reproduzem conteúdo inflamatório em harmonia com a corrosão diuturna realizada pela mídia corporativa no mundo todo contra líderes de centro-esquerda moderados, como Lula e Dilma.
Em sua campanha contra as gestões petistas coube à mídia enfrentar custos políticos e comerciais, num ambiente de perda de audiência. Pioneiros da jornada, membros antes orgulhosos abandonaram o barco na fase agora mais radical. Outros começaram a vacilar. Iniciadores autênticos da ciranda conservadora foram ficando pelo caminho, em dúvida sobre a conveniência do discurso que lhes deu razão de viver. Céleres, agora empenham-se em maquiar as biografias, eles antes tão metódicos em deformar a de outrem.
A avalanche finalmente desencadeada arrastou consigo expoentes eleitorais e partidos inteiros, deixando um rastro inútil de mensagens e formas de agir mais palatáveis ao teatro político civilizado.
Os danos colaterais voltam-se agora explicitamente contra os próprios veículos e o círculo se fecha. A tarefa foi tão bem-sucedida que só se completará num êxtase punitivo e purificador, num sacrifício ritual que deve incinerar o próprio regime da Nova República.

*Informações publicadas em Brasil 247.
Urias Rocha - Mato Grosso do Sul

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