terça-feira, 8 de setembro de 2020

Religião na política e seus efeitos danosos para a democracia e a ameaça velada a paz social, a ciência e o conhecimento.

 Religiosos: discurso moralista

Querem impor seus dogmas

Não são garantia de bondade

Everaldo e Flordelis: exemplos

Se Pastor Everaldo e Flordelis tivessem sido discipulados | Bananal Online


Urias Rocha

Dois casos rumorosos, envolvendo pastores evangélicos, vêm mostrando por motivos diferentes o efeito venenoso da infiltração da religião na política brasileira.

No Rio de Janeiro, o pastor Everaldo, da Assembleia de Deus, presidente do PSC, foi preso no último dia 28 na mesma operação que afastou do cargo o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.

Segundo delação do ex-secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Edmar Santos, também preso, Everaldo seria o chefe do esquema de corrupção que levou à compra superfaturada de respiradores na pandemia do covid-19, que expôs todo o governo eleito sob a égide moralizadora de Witzel.

Não menos espantoso é o caso da deputada Flordelis (PSD-RJ), fundadora da sua própria igreja, o Ministério Flordelis, apontada pela Polícia Civil e o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro como mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson, com 30 tiros, em junho do ano passado.

Seis dos seus filhos e uma neta estão presos e ela só se encontra em liberdade porque, como parlamentar, só pode ser presa depois de afastada do cargo por decisão da Justiça ou da própria Câmara Federal.

São casos diferentes, sem nenhuma relação entre si, mas revelam uma coisa só. Levam a pensar sobre a crescente participação da religião na política e seus efeitos danosos para a democracia e o país.

Religiosos entram para a política com base num discurso moralista –não apenas contra os maus políticos, como o que seriam os maus costumes em geral. Apresentam-se como restauradores da ordem, infensos à corrupção e aos pecadilhos humanos. E, a partir do seu próprio exemplo, querem impor seus dogmas em todos os campos, como salvadores diante do apocalipse.

Aí está a contribuição dos casos de Everaldo e Flordelis. Religiosos na política não são garantia de bom comportamento, muito menos de solução para a moralidade, na política ou na vida. Ao contrário. Os políticos que se apresentam como bastiões da moral podem cair nos mesmos pecados de outros mortais. Com o agravante da farsa, escondendo o pé de barro, para vender-se como santos, caso de Flordelis, que já foi idealizada até mesmo em filme.

Ninguém pode dizer que os políticos religiosos representam os interesses de sua comunidade de fé.

Existe no Congresso Nacional a chamada bancada evangélica, um bloco informal, cujos integrantes supostamente se unem em votações com posições de interesse em comum. Na maior parte das vezes, porém, esses políticos usam sua identificação com a comunidade religiosa mais para eleger-se. Uma vez no poder, como ilustra o caso de Everaldo, defendem mais os interesses próprios.

Ninguém é proibido de participar da política e a religião é livre. Porém, usar o proselitismo religioso para impulsionar a carreira política, ou apresentar-se como representante político de uma religião, são desvirtuamentos da democracia.

A religião na política vai contra os princípios do Estado laico, conforme está registrado na Constituição de todas as democracias do mundo, incluindo a brasileira. Não existe bancada religiosa no Congresso de democracia nenhuma no mundo inteiro, exceto nas falsas, como no Irã dos aiatolás.

Ao defender interesses de partidários de uma religião específica, contraria-se o princípio da igualdade, segundo a qual todos os brasileiros são iguais perante a lei, independentemente de raça, cor e, diga-se, religião. Não há nenhuma razão para que se tome decisões em favor de membros desta religião ou daquela, sendo todos os crentes tratados igualmente, como cidadãos, com os mesmos direitos e deveres.

O destino dos moralistas é serem desmoralizados. Porém, há algo a melhorar na democracia brasileira, para que se extingua o voto de natureza religiosa. É preciso proteger os princípios humanistas da igualdade entre todos os cidadãos, independente de suas escolhas pessoais, seja de religião, seja dos costumes.

Um dos grandes dilemas da democracia é como tratar pessoas diferentes como iguais, e ao mesmo tempo como tratar pessoas como iguais, respeitando suas diferenças. O certo, porém, é que a democracia é o único regime onde isso pode chegar o mais perto possível do ideal.

Para isso, deve surgir a partir do eleitor uma reação contra a infiltração da religião no poder, seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário –como quer o presidente Jair Bolsonaro, que colocou Deus no slogan de Estado e prometeu nomear um ministro “terrivelmente evangélico” na sua próxima indicação ao Supremo Tribunal Federal.

Com a partidarização da religião, o que se fomenta no Brasil é apenas a intolerância, e com ela a defesa e tentativa de imposição de interesses de um grupo sobre o de outros, com a natural reação em contrário dos prejudicados.

O clima de intolerância só interessa aos ditadores de plantão, que só podem fazer o que quiserem se passarem por cima do respeito ao pluralismo e da diversidade. A verdade é que, sem liberdade, não há nenhum progresso real. Quando as ditaduras dão errado, é por liberdade que se clama, porque deram errado. Quando elas dão certo, pede-se também por liberdade, para que se possa desfrutar do progresso.

Só há um caminho, que é o caminho da liberdade, mas para chegar lá é necessário neutralizar as forças insidiosas que se nutrem da intolerância, promovidas por pessoas que agem em interesse próprio. No Brasil, esses agentes parecem já ter se esquecido dos males que as ditaduras fazem a todo mundo. E que somente a democracia permite a um país fazer sua própria crítica, corrigir erros e melhorar.

A história, porém, não se esqueceu. E só depende dos defensores da liberdade e da igualdade não perdê-las, para que possamos chegar mais depressa e orgulhosamente a um bom lugar.


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