Brasil está perto de atingir a desastrosa marca de 100 mil mortes na pandemia do coronavírus e tudo o que Jair Bolsonaro é capaz de dizer ao país que jurou colocar acima de tudo é que é preciso tocar a vida e se safar desse problema.
Puxa vida, presidente!
Como ninguém pensou nisso antes?
Que bom ter, em uma hora como esta, uma liderança tão capaz de articular o óbvio no momento em que o óbvio está nublado pelo medo, pela histeria e pelas más energias!
Por que morrer se podemos viver? Por que enterrar e lamentar os mortos se podemos botar o Zeca Pagodinho no repeat com a voz do presidente pedindo para a vida, e não a foice, nos levar?
Bolsonaro subverte, como grande líder que é, o ditado de que é preciso olhar com otimismo o copo meio cheio e meio vazio. Sua sugestão é olhar o corpo meio cheio de vida dos sobreviventes. É este otimismo de quem sabe ter mais chance de sobreviver do que ser alvejado na roleta russa que faz com que mais gente saia às ruas e não volte porque pagou pra ver.
Entre copos e corpos, alguns foram esvaziados por inteiro. E daí?
É a morte, dirão os pessimistas, condenados a ver sempre o lado ruim das coisas.
Bolsonaro olha para o céu e garante: “é a vida”.
Os apoiadores do presidente não gostam de quem vê irresponsabilidade em seus atos e palavras desde o início da pandemia. Dizem que o jornalismo profissional se agarrou na fantasia do mensageiro da notícia ruim só para prejudicar o seu governo.
Vai ver eles têm razão.
Ele estimulou aglomerações quando médicos pediam para todos ficarem em casa até o vírus deixar de circular.
Ele apostou que nossos bosques com mais vidas não permitiram um morticínio sequer parecido com o que se avizinhava na Itália no começo da crise.
Ele criou um dilema inexistente entre salvar vidas e preservar a economia, como se a economia fosse movimentada por engrenagens automáticas, e não pessoas.
Ele afirmou em abril que o coronavírus estava indo embora quando havia matado só um décimo de pessoas que seriam enterradas quatro meses depois.
Ele vendeu e fez vender como água a salvação anunciada em um medicamento sem eficácia comprovada e já descartada por países e hospitais de referência.
Ele declarou guerra a governadores e prefeitos quando o momento pedia união e uma comunicação clara, única, sem ambiguidade e com a seriedade exigida nos momentos de guerra.
Ele disse que não era coveiro quando foi cobrado para assumir a responsabilidade e mandou esquerdistas degustarem tubaína caso se negassem a tomar sua salvadora cloroquina.
Ele demitiu seu ministro da Saúde no auge da crise porque o médico responsável pela pasta discordava de suas convicções médicas.
E priorizou uma reforma ministerial feita às pressas após revelações constrangedoras da reunião de 22 de abril, quando discutiu-se tudo, menos formas de combater a pandemia.
Ele incentivou a população a apontar armas na cabeça de gestores municipais e estaduais que chamavam de medidas de contenção sanitária temporária o que ele chamava de direito de ir e vir.
E mandou os fãs invadirem hospitais enquanto equipes de saúde faziam o que podiam e o que não podiam para salvar vidas.
Vai ver Bolsonaro estava certo desde o início e quem não reagiu (mal) aos seus preceitos agora colhe os louros de estar vivo.
Morrer todo mundo morre e qual o problema se uma pandemia vai ou não encurtar a experiência terrena nossa ou de alguns parentes em alguns meses, anos ou décadas? Muitos já estavam velhinhos. Outros, doentes. Quem, além dos familiares que hoje choram sem seus pais, avós e irmãos, se importa com velhinhos e doentes?
Uma nação forte não se constrói com doentes, mas com históricos de atletas.
Então vamos viver a vida.
Falta combinar com o vírus que se tornou aliado de um projeto que tem na morte uma espécie de razão de viver.
Nem um robô seria tão frio ao se referir às cem mil mortes que poderiam e não foram evitadas se não tivéssemos na Presidência um autômato incapaz de sentir e manifestar sentimento no momento mais grave da história recente.
Urias Rocha - Via Yahoo
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