domingo, 30 de dezembro de 2018

A Itália Nos Anos Setenta


APÓS A queda do regime fascista e o fim da Segunda Guerra Mundial, o povo italiano decidiu pela instauração do regime republicano, por meio de referendo, em 2 de junho de 1946, colocando fim à monarquia. Na mesma data foi eleita a Assembléia Constituinte.
A nova Carta entrou vigor no dia 1º de janeiro de 1948, afirmando em seu artigo 1º que "a Itália é uma República democrática". Mais adiante estabelece o voto universal, a liberdade partidária e o sistema parlamentarista de governo.
Com a introdução de emendas ao longo dos anos que não modificaram sua essência, a Constituição de 48 permanece em vigor.
Urias Rocha
Nesse contexto, vivi na Itália de 1978 a 1981, trabalhando como correspondente desta Folha. Acompanhei de perto os inúmeros atos terroristas praticados à época por grupos de esquerda e de direita.
Em dezembro de 1970, ocorreu uma tentativa fracassada de golpe de Estado por parte da extrema direita.
Este fato açulou os ânimos dos agrupamentos de extrema esquerda, que se tornaram mais ousados. As Brigadas Vermelhas, que surgiram em meados de 1970 ainda sob os ecos radicais do movimento de 1968, logo ganharam notoriedade por suas ações violentas.

Os ideólogos das Brigadas diziam que estavam dando continuidade à Resistência. Se os "partigiani", nos anos 40, lutaram contra o fascismo e a ocupação alemã, os "brigatisti" estavam dando continuidade à "luta de libertação nacional", agora contra o "Estado Imperialista das Multinacionais" - da sigla SIM em italiano.
Depois de ferir e assassinar dezenas de "inimigos de classe", as Brigadas Vermelhas cometeram seu ato mais audacioso com o sequestro e assassinato de Aldo Moro, em 1978, que cobri para a Folha.
Moro era uma espécie de paradigma moral da Democracia Cristã -partido que liderava a coalizão de governo na época.
O grupo Proletários Armados pelo Comunismo entrou em cena na segunda metade dos anos 70, na crista das ações espetaculares das Brigadas.
É importante deixar claro que, diferentemente da opinião de alguns analistas brasileiros, o governo da Itália não era de extrema direita no final dos anos 70.
Provavelmente até havia infiltração de gente de extrema direita nos serviços secretos italianos. Na ocasião, comentou-se e especulou-se muito sobre isso. Mas o governo, propriamente, era constitucional, democrático, com um Parlamento eleito pelo povo no pleito histórico de 1976, quando o Partido Comunista Italiano quase venceu a Democracia Cristã. Aliás, o PCI sempre foi contra os grupos terroristas, de esquerda e de direita. Tachava-os de antidemocráticos.
Essa também era a opinião do presidente da República, Sandro Pertini, que jamais poderia ser tachado de conivente com a direita. Pertini, socialista histórico, uma lenda da esquerda européia, foi companheiro de cárcere de Antonio Gramsci -ambos presos pelo regime fascista.
Umas das razões para o assassinato de Moro, segundo inúmeros analistas, foi o fato de ele defender um entendimento direto entre a Democracia Cristã e o PCI. O democrata-cristão e o então líder comunista Enrico Berlinguer propugnavam por um "compromisso histórico" - uma nova aliança entre as duas maiores forças políticas do país, visando a governabilidade e os avanços administrativos que a Itália requeria para superar o pântano da burocracia, a ineficiência crônica do Estado e enfrentar os desafios da revolução tecno-científica que dava seus primeiros sinais.


Evidentemente, para os extremistas -à direita e à esquerda-, o chamado "compromisso histórico" era inaceitável. Não podiam admitir a aliança entre os dois maiores partidos políticos do país com a finalidade de renovar o Estado que combatiam.
Aldo Moro foi assassinado por nostálgicos da Revolução Bolchevique que eram, não apenas leninistas, mas stalinistas -na mais crua e cruel definição desse qualificativo. Os "brigadistas" diziam, então, que estavam "golpeando o coração do Estado".
De fato, esses radicais atacaram o Estado democrático de Direito que, com todas as imperfeições, mantinha-se na Itália -como se mantém até hoje- desde o final da Segunda Guerra.
Eles visavam declaradamente tomar de assalto o poder e implantar a "ditadura do proletariado". Até no nome, por exemplo, a organização Proletários Armados pelo Comunismo dizia a que vinha.
Não conheço o processo e, portanto, não sei se o sr. Cesare Battisti cometeu os homicídios a ele atribuídos.
Mas, seguramente, sei que ele não era, nos anos 70, um perseguido político por um regime ditatorial. Ao contrário, na vigência do Estado de Direito, ele optou, por vontade própria, pela subversão da democracia e, para isso, aceitou e incentivou o recurso às armas e ao terrorismo.

PEDRO DEL PICCHIA é jornalista e escritor. Foi correspondente da Folha em Roma de 1978 a 1981.

Por Urias Rocha

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