Deputados do PL destinam R$ 2,6 milhões em emendas Pix para série com viés conservador sobre a colonização do Brasil
Os deputados federais Alexandre Ramagem (RJ), Carla Zambelli (SP), Bia Kicis (DF) e Marcos Pollon (MS), todos do PL, destinaram R$ 2,6 milhões em emendas Pix para a produção de uma série documental sobre a colonização do Brasil. O projeto é liderado por uma associação com vínculos com igrejas evangélicas e que declara abertamente uma orientação conservadora.
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Marcos Pollon que ja foi acusado de usar verbas irregulares do pró armas em beneficio própio. |
O que aconteceu
A verba foi direcionada à produção da série "Heróis Nacionais – Filhos do Brasil que não se rendem". Carla Zambelli e Marcos Pollon destinaram R$ 1 milhão cada um; Alexandre Ramagem, R$ 500 mil; e Bia Kicis, R$ 150 mil. Os recursos foram enviados ao governo de São Paulo via emendas Pix — modalidade que permite a transferência direta de recursos da União aos entes federativos, sem a necessidade de convênios, contratos ou análise técnica federal prévia.
Apesar da transferência formal para o estado de São Paulo, apuração do UOL revelou que o real destinatário dos recursos é a Academia Nacional de Cultura (ANC), associação privada fundada em 2020 e sem histórico consolidado na área de audiovisual.
Viés ideológico e vínculos religiosos
A presidente da ANC, Karina da Gama, afirmou que a instituição possui uma “visão conservadora” e é contrária à chamada “agenda globalista”, termo comumente usado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo Karina:
“Vamos produzir conteúdos voltados para a família e para a educação. A maioria dos artistas envolvidos compartilha dessa visão conservadora.”
Em nota, Carla Zambelli declarou que o objetivo da série é “inspirar o público a valorizar a identidade nacional”, destacando personagens históricos que “colocaram o interesse coletivo acima dos próprios”.
A ANC mantém parcerias com igrejas evangélicas e integra o GT Cristão — grupo formado por lideranças religiosas que busca levar “pautas cristãs” ao debate político. O grupo já apoiou campanhas de figuras como o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Além disso, a associação organiza a feira The Connect Faith, descrita como “a maior feira de fé, tecnologia e inovação cristã”, prevista para ocorrer em São Paulo neste mês.
Apesar das conexões religiosas e ideológicas, Karina afirmou que a ANC não é um projeto político:
“Muitos de nós somos do segmento cristão, mas não se trata de uma questão ideológica. Não somos um projeto político, e sim artístico.”
Direção ligada ao bolsonarismo
A série terá gravações em Lisboa, Porto e outras oito cidades portuguesas ao longo de três semanas. Entre os custos previstos estão a compra de 22 passagens aéreas para Portugal. A divulgação será feita por influenciadores conservadores, cujos nomes não foram divulgados. A ANC estima um alcance de 10 milhões de pessoas, mas não especifica os canais de exibição.
O diretor do projeto é Doriel Francisco da Silva, dono da Dori Filmes, conhecido por dirigir o documentário “A Colisão dos Destinos”, sobre a trajetória de Jair Bolsonaro. O filme foi promovido por Mário Frias e pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Procurado pelo UOL, Doriel bloqueou o contato após ser questionado.
Doriel também assina outro projeto financiado por parlamentares bolsonaristas: o documentário “Genocidas”, que recebeu R$ 860 mil em emendas de Eduardo Bolsonaro, Mário Frias e Marcos Pollon. A produção foi feita por ex-assessores de Frias.
Falta de transparência nas emendas Pix
Embora legais, as emendas Pix são criticadas por sua baixa transparência. Não exigem detalhamento prévio de projetos nem controle rigoroso sobre o uso dos recursos. Na plataforma oficial TransfereGov, consta apenas que os valores foram enviados ao estado de São Paulo — sem qualquer menção à ANC como destinatária final.
O modelo tem sido questionado pelo Supremo Tribunal Federal. Em decisão recente, o ministro Flávio Dino determinou que estados e municípios aprimorem a transparência e prestem contas ao governo federal sobre o uso desses recursos.
Segundo Bruno Bondarovsky, especialista em gestão pública e criador da Central das Emendas:
“As emendas Pix oferecem agilidade e menos burocracia, mas isso vem ao custo de menor rastreabilidade e maior risco de aplicação em projetos sem impacto social relevante.”
A iniciativa dos parlamentares também contrasta com críticas frequentes da base bolsonarista à Lei Rouanet, que é acusada por eles de falta de transparência e favorecimento a artistas de esquerda.
O que dizem os deputados
Em nota, Carla Zambelli afirmou que não há qualquer irregularidade na destinação da verba e defendeu a qualificação técnica da ANC para conduzir o projeto. Bia Kicis reiterou que a associação cumpre todos os requisitos legais e tem CNAE compatível com atividades culturais. Ambas garantem que a ANC possui as certidões exigidas pelas leis federais, estaduais e municipais.
Situação atual
A Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo solicitou ajustes no plano de trabalho da ANC em outubro de 2024 e deu parecer técnico favorável ao projeto em dezembro. O governo informou que a documentação está em fase final de análise e que o termo de fomento ainda será assinado — condição necessária para a liberação efetiva dos recursos.
Por Urias Rocha BR
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